sábado, 31 de outubro de 2009

No meio do caminho havia um jardim.

Não existe o dia se não houver a noite.
Não existe o bem se não houver o mal.
Não existe o branco se não houver o preto.
Não existe um caminho que leve à luz
que não seja a escuridão.

É o que dizem todos os anais de psicologia e filosofia,
todas as lendas, todas as histórias do mundo.
É o que o homem sempre disse e continua dizendo,
sobre os percalços da mente, coração e alma humanos.

Não seria isso também uma crença.
Um padrão que se acredita
e que se tem como verdade de tanto repetir?
Mecanicidade.

Já não estará vencida esta teoria.
Já não estariam todos esses modelos no ponto de inércia,
precisando um empurrãozinho?
Afinal, se a vida é movimento como pode haver
verdades absolutas, imutáveis.

Tenho comigo que o que não existe mesmo
é pergunta sem resposta.
Pois a própria existência da dúvida
pressupõe que existe um ângulo
por onde ainda não se olhou,
um caminho que ainda não se trilhou.
Um simples “por que?” pode mudar tudo,
ou pelo menos diminuir o poder do que até então
tem sido visto como certeza.

Voltemos então aos opostos dia e noite, bem e mal,
branco e preto e até mesmo amor e ódio.
Entre o dia e a noite existe uma infinidade de momentos
nem tão claros, nem tão escuros.
Entre o bem e o mal existe uma infinidade de possibilidades
nem tão boas, nem tão más.
Entre o branco e o preto existe um infinita gama de cores
nem tão claras, nem tão escuras.
Entre o amor e o ódio existem infindáveis sentimentos.
Será mesmo que preciso experimentar o ódio
para provar do verdadeiro amor?

Se for assim, então preciso morrer
para realmente viver.
E não me adiantaria nada a morte simbólica,
pois então eu só viveria simbolicamente.
Ou então eu pergunto.
O que são a vida e a morte realmente?

Se me serve o simbolismo,
creio que o mundo me oferece uma infinidade deles
e que necessariamente não preciso vivenciar.
Está aí a violência nas ruas.
Preciso sofrer um assalto ou um estupro
para saber me defender?
As agressões à natureza estão aí,
por todos os lados.
Preciso derrubar uma árvore,
conspurcar um rio para saber lhes dar valor
e respeitá-los como seres vivos?

Se me serve o simbolismo,
estão aí milhares de filmes sobre todos
os temas e sobre todas as relações humanas,
em forma de dramas, comédias, tragédias etc. etc.
Não poderia eu passar pela purgação, sem degustação?
Espiando apenas através da tela do cinema?

O que acontece é que fomos doutrinados
para ser bonzinhos, para ficar sempre do lado do mocinho,
para assumir o papel da vítima.
Por que nunca nos colocamos na pele do bandido?
Por que assim, com tantos maus sentimentos,
tantas más intenções o mundo estaria perdido?
E o que fizeram do mundo as boas intenções?
Produziram ressentimentos, ódios mal contidos,
violência de todos os tipos, guerras, destruição.

Na verdade bem e mal só existe mesmo aqui,
dentro de cada um de nós.
Bem e mal é apenas uma interpretação
que serve mais a um arranjo social,
assim como são os modelos de relacionamento
tão esgotados, tão falidos.

Uma visão tão “sociedade, família e propriedade”
que, com o passar do tempo, as pessoas
passaram a ser nada mais do que posses umas das outras, propriedade particular, um produto
com data de validade também estipulada
pela mesma sociedade manipuladora.
A necessidade do ter aprisionou a liberdade do ser.

As asas da nossa natureza foram amputadas
e ficamos todos sem a referência básica,
submetidos ao comportamento artificial.
Será o homem tão poderoso assim que já pode
definir o modelo ideal de “ser humano”?

Não será isso onipotência?

Os opostos sempre se chocam,
se atraem na tentativa de sufocar,
destruir uns aos outros.
De tanto sermos obrigados a ficar do lado “bom”,
somos constantemente atraídos pelo lado oposto.
E se formos para lá podemos gostar e até preferir o lado “mau”, sádico, sujo, o submundo.
Por que tudo é uma questão de ponto de vista.
Muda-se o lado. Mudam-se as referências.

Será então que na eterna busca de nós mesmos
não haveria um caminho do meio?
Será que não há um caminho composto de muitas cores?
Nem meia noite, nem meio dia, nem a falsidade do muito bom,
nem a violência do muito mau,
nem a ignorância do amor/ódio possessivos.
Não seria tudo uma questão de aceitação?
Ser imparcial diante dos opostos. Afinal é tudo transitório. Impermanente.

Mito por mito, porque não o do paraíso?
Que tal um jardim como caminho?

(Não penso em um “ mar de rosas”. Mas um jardim natural, com flores, espinhos, insetos, aranhas, serpentes, sei lá.
O importante é que seja natural, onde tudo tem seu espaço e seu tempo.
A hora, poderia ser a do crepúsculo com todas as possibilidades do dia e da noite pela frente.
A luz seria a da entrega, quando a Lua repousa
entregue ao brilho e calor do sol
que começa a despertar o dia.
As cores? Seriam todas.
A gama infinita da paleta divina.

Um jardim como começo.
O estado natural das coisas.
[Reza a lenda que viemos de um jardim (o Éden)]
Reunindo a firmeza da Terra, o poder do Fogo,
a clareza da Água e a leveza do Ar.

Um jardim como meio.
Existe lugar mais agradável do que um jardim
para nos distrair das nossas mágoas,
afugentar nossa ansiedade, acalmar
nossos corações e nos ajudar a reencontrar
nosso lugar na natureza?
A magia de um jardim apura nossos cinco sentidos
e é capaz de nos transportar para dentro de nós mesmos,
dos nossos sonhos mais secretos.

Um jardim como fim.
O retorno.
Enfim nos encaixamos,
como pecinha de quebra-cabeça,
tornando-nos novamente um com o Criador.

Será que a purgação do herói
não vem do fato de querer inventar
um jeito novo de desvelar o mito da criação
quando na verdade já está tudo inventado?

O nosso constante abrir e fechar de olhos
talvez não seja um simples e mecânico piscar.
Talvez tenha o objetivo maior
de fazer com que mudemos nosso foco.
Mesmo percorrendo o mesmo jardim
por onde viemos, voltamos a ele por um outro lado,
olhando com outros olhos,
de outros pontos de vista,
reaprendendo a ser o que realmente somos.
Reencontrando a nossa essência.

Enfim, certo ou errado, tanto faz.
Acho que o questionar coloca sempre
um novo portão à nossa frente.
E atrás dele, bem que pode estar um jardim.
De tulipas, alfazemas, malmequeres, heras, miosótis, rosas, girassóis… E toda a infinita e bela variedade do reino vegetal.
Por que não?

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